Prefácio II de Maria de Fátima Rocheta Bastos ao livro «DO PRINCÍPIO E DO FIM» de Ângelo Rodrigues, Edições Colibri, 2022

16-08-2023

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Uma publicação das Edições Colibri - dezembro de 2022


O delírio da Palavra umas vezes eufórica outras vezes disfórica.

Segundo Heidegger «a palavra é a morada do ser» - esse animal controverso que somos e que se expressa essencialmente pela palavra.

Do Homem como autor-poeta. Ângelo Rodrigues "É" o autor que surpreende pelas suas multividências e multivivências. O homem multifacetado que se revela em várias áreas da cultura e do saber e pela docência em Filosofia, que nos guia na descoberta do que somos e que na ilusão da caverna, nos mantém alerta para a cegueira, mas cegos na busca de caminhos.

Que pela sua poesia nos desperta para a mística e para uma via da transcendência. Caminhos que nos conduzem na procura de um sentido para a vida no meio do caos do mundo e no reconhecimento da nossa essência na sua totalidade: corpo perecível que se veste de anseios pelo Ter. Alma livre de roupagens que voa entre grades quando presa em nós ou solta pelos céus da expansão do Ser. Na busca de um caminho possível entre a Vida e a Morte. Do Princípio e do Fim. Quiçá de um regresso.

Ler este texto foi prazer e aprendizagem que nos guia na busca desse caminho. Prefaciá-lo, um exercício de reflexão que nos esclarece e nos orienta nas infinitas possibilidades de ser que o homem traz à partida como guia para o seu aprendizado e realização. Uma viagem de vinda e de regresso para a Totalidade que habitamos e nos habita com as qualidades com que fomos dotados e educados, mas também dos caminhos alternativos que escolhemos.

Uma viagem que nos faz Ser em detrimento do Ter ou na conjugação de ambos, o que em harmonia torna o homem mais realizado, mas não perfeito, pois há sempre a dúvida ontológica e a dúvida escatológica a desafiar-nos. Isto porque ninguém é santo e habitamos a sombra de muitos deuses uma vez que somos feitos do mesmo pó imperecível das estrelas e apenas podemos escamotear esta realidade crendo num Criador Supremo do Universo que nos criou à Sua imagem e semelhança ou dos deuses que criámos à nossa imagem, o que torna esse caminho uma busca diferenciada em cada e para cada um. No que o poema se desmultiplica de todo o seu sentido num sentido único ditado pelo(s) deus(es) de cada um. Caminho que o homem não faz só, mesmo na ilusão dos não crentes. Um caminho semeado de dúvidas e de esperança, mas também de pedras que tem de retirar do seu caminho. E cito dois grandes poetas: Carlos Drummond de Andrade: «No meio do caminho havia uma pedra havia uma pedra no meio do caminho», e Casimiro de Brito: «No meio da pedra havia um caminho.» (MFB, in LOGOS 5, p.178). Pedras que cada um transformou em opções de vida. Da vida que nos cabe viver. Na e pela palavra do poema:


Do Princípio e do Fim. O que É tudo Isto?

Acompanha-me neste delírio,

talvez místico,

talvez outra coisa qualquer.

Faz - também - o caminho do poema até ao Fim.

Os deuses ordenaram: vai.

Faz o caminho do poema até ao fim.
(AR, in PeF)

Caminho que se faz numa via da palavra e do conhecimento que é preciso transcender:

O caminho passa, necessaria-mente, pelo Logos;

contudo, não fiques só por lá.
(AR, in PeF).

Uma viagem pela palavra, pela poesia que é tautológica da viagem, da palavra, da poesia e do homem. Uma epifania da Palavra. Do Poema. Viagem guiada por uma força que nos transcende numa linha de espiritualidade mística, esotérica, gnóstica ou simplesmente ética, neste mistério e absurdo que é viver e pensar a vida. De transcender. Pois no circuito da vida em que cada animal segue o seu bio-ritmo «... só o Homem insensato procura a transcendência.» (MFB, in MUNDOs).

Segundo Gilbert Durand, autor de "As Estruturas Antropológicas do Imaginário", o homem faz essa via pelo "Regime Diurno e Nocturno da Imagem" sendo o regime diurno conectado com a visão mística e o regime nocturno com aspectos profanos (mas éticos): metafísico e místico ou profano na via do ser e do não-ser, uma sede de Absoluto, uma busca de Algo e de um sentido para a vida. De uma realização através dos opostos luz, sombra, claro escuro, branco preto, bem e mal - numa via entre a santidade e o profano - pelo "Regime Nocturno e Diurno da Imagem": o Santo pelo êxtase no encontro e fusão com o Divino e o Herói pelo êxtase no encontro e fusão com o Feminino.

Regime contido em todas as religiões e seus deuses religadas por um leitmotiv criador e transcendente até nos integrarmos na Totalidade do Absoluto, "Até ousar ser Deus" (MFB, in MUNDOs). Ou numa Filosofia de Vida de aceitação ou de renúncia explícitas na incompreensão do absurdo de viver. Uma busca do Incognoscível que nunca finda neste mistério que é viver porque:

Temos sede de Absoluto, mas queremos viver.

É grande a necessidade de compreender o Absurdo e a Vida.

É necessário que algo se mostre!

(...)

Na Terra estamos numa espécie de tédio místico.

É necessário que algo se revele!

(...)

Pois é imensa a necessidade do Mistério.
(AR, in Musa Lixada e Preguiçosa, p. 25)

Busca que o Autor faz pela via da Palavra e do Poema em Do Princípio e do Fim (PeF) e dos poemas desse outro livro que nos intriga e encanta pelo título "Musa Lixada e Preguiçosa" (MLP). Dos quais recomendamos uma leitura atenta e introspectiva. Uma viagem pela poesia porque:

A poesia e um alimento.
Não conseguimos passar sem ela para não cair
no terrível hábito de apenas viver.
Ela é um alimento com todas as especiarias
que a Alma deseja e aprecia.
(AR, in Musa Lixada e Preguiçosa, p. 17)

Numa viagem que nos conduza "ao belo e inefável, ao amor" uma procura pela Poesia que é tautológica de Amor e de Algo superior à condição humana:

Em Procura do Inefável.
Em procura de Algo
maior e transcendente à Linguagem.
(...)
Em procura dos heréticos
para lhes dizer
que o Amor, o Absurdo e a Contradição
estão na moda e se recomendam
.(AR, in Musa Lixada e Preguiçosa, p. 29)


Na impossibilidade de nos debruçarmos sobre todos os poemas destes dois livros tão inspiradores como irónicos, com temáticas tão contraditórias e afins, demos destaque para alguns poemas numa análise que interligasse os topos dominantes da nossa linha de leitura em cada um e no seu conjunto, numa busca pelo Sentido de viver. Numa transcendência da própria Linguagem. Pela Poesia. Esperando que essa busca tenha uma resposta que nos transcenda. Porque o Mistério também é essência do Ser.

Maria de Fátima Rocheta Bastos
Professora, poetisa, investigadora e orientadora
de teses no âmbito da Sociologia e Antropologia das Religiões.

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