Prefácio I de António Mota ao livro «DO PRINCÍPIO E DO FIM» de Ângelo Rodrigues, Edições Colibri, 2022

16-08-2023

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Uma publicação das Edições Colibri - dezembro de 2022


Do Princípio e do Fim

Uma poética filosófica, mística e órfica

1.

O horizonte de expectativas de que parti, já de si bastantes, e fundamentadas, a exigirem de mim toda a curiosidade e atenção, foi-se expandindo, gradativo, em quantidade, qualidade e profundidade, à medida que me embrenhava na aventura e na magia da leitura de Do Princípio e do Fim, da autoria de Ângelo Rodrigues, poeta, livre pensador e filósofo. Cedo, porém, esqueci as expectativas, de excedidas todas tão, deixando-me conduzir por uma apelativa voz poética, que nos chama e nos envolve, e que ascende, sincrética, a um característico dizer poético, elevado muito, e identitário.


2.

Essa voz que, de degrau em degrau, se eleva às proximidades dum indictum poético, faz Do Princípio e do Fim, um cativante e eloquente livro de poesia, pleno de inovação discursiva, borbulhante e fresca, dotado de uma rítmica de intensidade rara, e potenciadora de um conteúdo significativo acumulado, e de uma harmonia temática, mas eclética, conjugada em termos do aprofundamento, por fusão e acrescento de sentido essencial, qual processo alquímico, em que se busca, em cadinho, o maior e triunfante precipitado axiológico, que nos guie e oriente, no caminho valorativo da mais pura e elevada condição humana nossa, a subir a escadaria.


3.

Dizem que toda a leitura é uma viagem, e é, tanto no sentido físico da sua mobilidade, quanto na descodificação e apreensão de sentidos, na mensagem escritos, e de outros muitos mais, dissecados dela, por ação do pensamento, derivados do horizonte das expectativas verosímeis do leitor, que as criou. Cada um, sempre quando lê, viaja em linhas de sentido íntimo mais, mais inteiro e verdadeiro. E já vem de muito longe a imagem da leitura em viagem, num imaginário simbólico muito, e enriquecida. Há setecentos anos, já Dante Alighieri (1265 – 1321), o divino, se lhe refere expressamente na Divina Comédia: Ó vós que estais na diminuta barca, / tão desejosos de escutar, segui / meu lenho que cantando a via marca, / e vossas margens revejais aqui: não a deixeis nos pélagos incursa' (1). Mas quantas e quais as viagens possíveis da ars poética Do Princípio e do Fim, de Ângelo Rodrigues, derivadas?


4.

São muitas e várias. E todas elas na senda da luz maior, sob a tensão impulsiva da invocação da força vital e da vontade, do amor e do desejo. Uma delas é a clássica viagem do discípulo que segue literalmente o mestre, a quem a voz poética em Do Princípio e do Fim apela com autoridade e convoca, para que caminhe ouvindo, vendo e aprendendo. E logo nos lembramos de O Nome da Rosa, de Umberto Eco (1932-2016), ou do filme, com o mesmo nome, e nele baseado. E, ainda, e por associação, a mítica viagem sempre evocada, no labirinto e na biblioteca. Na verdade, em Do Princípio e do Fim, o sujeito poético tudo trata numa perspectiva dialéctica e dialógica, autêntico pano de fundo que ilumina a palavra de quem em tudo busca na luz própria sua do espírito e do entendimento, meditando sempre e perguntando. E é assim que as mais das viagens traçam, de tudo, ângulos de harmonia criativa, numa perspectiva potenciadora sempre de subida à montanha, onde se sustenta a espiral ascendente e o caminho peregrino do bem acrescido, e do belo, sob o impulso dessa energia que vem do princípio, e que é divina, e se chama amor.

5.

Em Do Princípio e do Fim, chegam-nos ecos de outras viagens muitas, tão de longe e tão de perto, do presente e do passado, e do futuro, que ainda não aconteceu, e nem se sabe se. Chegam-nos ecos da filosofia peripatética antiga, método de ensino em que o professor vai à frente, e incentiva os discípulos no caminho, explorando vivências, espaços e ambientes, instigando sempre o pensamento, e ensinando a nobre e difícil arte de pensar. Aristóteles o utilizou no ensino da lógica, da física e da metafísica, assim como na reflexão sobre temas de sempre, como a morte, o pecado, a consciência, a política e a ética. Mas também Cristo filosofou peripatético com o povo e seus discípulos, percorrendo a(1) Dante Alighieri, Divina Comédia, Tradução de Vasco Graça Moura, Bertrand Editora, Lisboa 1995, p. 603.

Galileia, e assim fizeram místicos e profetas. Parece que esta dialéctica da proximidade e a dialógica sua inerente abrem mais à luz o espírito que busca, que procura e que fascina. E o espírito está em tudo.

6.

Impossível falar da grandeza e da beleza das viagens na viagem Do Princípio e do Fim. Éum magnífico livro de poesia, e moderno, onde todos os poemas se conjugam num só um, num continuum sempre. Assim, cada poema ilumina o outro e o todo, e o todo cada parte. E é também por isso que este magnífico livro de poesia deve ser lido pausada e atentamente, no seu todo, como quem lê uma narrativa sublimada, ou um tratado, ou compõe e ouve lentamente a beleza escrita duma partitura, que se torna viva. E deve também ser lido no encanto da sua visualidade, como quem contempla no seu todo uma tela, ou como quem vê no dinamismo seu cinético e total um filme. O leitor se encantará, certamente, no caminho da leitura apelativa e da ontologia, e verá, inteligente, ora parando e meditando, ora folheando, para trás e para a frente, que cada uma das partes Do Princípio e do Fim, de Ângelo Rodrigues, se enriquece e se entrelaça com as outras, e com o todo, ganhando sempre mais e mais dimensão, pelo que o todo é valioso mais muito que a soma só das partes. E a melhor viagem não é a mais depressa.

7.

Diga-se que Ângelo Rodrigues, ao escrever Do Princípio e do Fim, devia estar iluminado e possuído pelo dom da escrita e do espírito, saiba-o ele ou não. Daí que a tudo deite mão, e de tudo se sirva para iluminar esta obra sua, que reputo de inovadora e moderna, fora dos cânones habituais do já visto, quer pelo directo dito, que surpreende, quer por subtis inferências inter e contextuais, portas que se abrem para outras viagens, sempre quando o leitor verdadeiro saiba e queira viajar. Mas deixem-me referir a coloquialidade discursiva, abundante e vária, eivada de uma filosofia indagante e, particularmente muito, o muito específico seu fazer poético, que Ângelo Rodrigues usa, intensa e graciosamente, na caminhada peregrina da ascensão do humano ao divino, em toda a extensão do seu canto apelativo, inscrito em Do Princípio e do Fim. Trata-se de uma ars poética muito própria, e moderna, onde uma poesia, espiritualizada e mística, a última fronteira, ressumbra rizomática das entranhas profundas da ciência e da arte, e da grandeza sua, nas vertentes suas quânticas, lógicas, matemáticas, biológicas, materiais e psicológicas, e onde o espírito sobressai como sendo um fenómeno sistémico combinado entre o ente e o todo, entre a alma e o amor, entre a vida e a verdade. É a poesia a ciência suma, que ressumbra, mística e rizomática, da respiração depois do fim e da de antes do princípio. É o poeta o enviado:


Fui enviado para ver o que isto é,

fui enviado para estar contigo,

quando regressar ao todo,

serei Alma, Amor e Sentido.

8.

Tem o leitor, pois, na arte poética de Ângelo Rodrigues, e em Do Princípio e do Fim, opções várias de viagens pelo mundo de si fora, e pelo mundo íntimo de si dentro também. Mas, porque isto é um despretensioso prefácio, ou pós, e não uma tese, como, certamente, Do Princípio e do Fim mereceria, limito-me a apontar um punhado pouco das muitas que, tais como: a viagem órfica, logo no início anunciada, toda ela de aprendizagem, de sabedoria e de auto-conhecimento – "Encontra e encontra-te." ; a viagem da peregrinação e do caminho apropinquo da perfeição, sempre mais além, e da demanda do Graal – procuramos o Amor incondicional /…/ a Inteligência do Todo./ A nossa vida pouco mais é do que preparação. /…/ O Fim é, sabemos (?) / o Belo e o Bem; a viagem da nova linguagem poderosa que nos leve a ultrapassar o sublime em nós intuído, mas indicto, e a saber o não sabido – procuramos a linguagem alternativa, / e, por isso, vamos insistindo / com a ferramenta-Poema; a viagem onírica - além da órfica -, simbolicamente surpreendente, por remeter, implicar e sugerir o sono como síntese de encontro de estados intraduzíveis por palavras, por estarem eles aquém ou além delas, sendo demiúrgica a sua linguagem, e dos domínios do inconsciente – Alguém nos disse, ou então foi inventado, / que os sonhos são os mensageiros do futuro /…/ O melhor de tudo está sempre no futuro; a viagem do contexto, a que o autor, verdadeiro poeta, não foge, nem pode, porque a poesia fala de nós e da vida, como a somos e como a temos – A missão do poeta e do místico é criar um Mundo novo; e, por último, mas não por ser menos importante, e só porque não há espaço, nem tempo para mais, deixo aqui, para lembrança, e até por se conciliar muito bem com a viagem peregrina e onírica, uma referência à mágica viagem que foi a Visão de Túndalo, na sua acepção onírica, peripatética e peregrina, de aperfeiçoamento e de aprendizagem, pelos caminhos da observação do bem e do mal, e pelas consequências possíveis advenientes. A isto acresce ainda uma outra viagem, aliada ao sagrado, que se cumpre por imperativo sagrado do destino, como em Os Lusíadas, de Camões, como em a Mensagem, de Pessoa, e como em Do Princípio e do Fim, de Ângelo Rodrigues, porque:


Os deuses ordenaram: vai.

Faz o caminho do poema até ao fim.

9.

Muito deve ter pensado Ângelo Rodrigues na concepção e realização operativa de Do Princípio e do Fim. E muito e maduro deve ser o conhecimento seu acumulado, a partir de várias áreas da ciência e das artes, tão acentuado que é o carácter a que chamei rizomático, porque em todos os saberes bebe e toca este excelente livro de poesia, da filosofia à matemática, da psicologia à física, incluindo a quântica, do sonho ao consciente, da lógica à ética e à evolução, sob a força condutora do amor ao bem, à verdade e ao belo, servindo o humanismo, numa inquietação constante, e de busca sempre, de humanidade mais, continuamente, e melhor. E deixo um recado, uma sugestão e um lamento: o recado é que, depois de Do Princípio e do Fim, o poeta-filósofo Ângelo Rodrigues não pode parar; a sugestão é a de que cada uma das viagens apontadas, se desenvolvida, daria uma tese, penso que bem bonita, e alguém que se lance a ela; o lamento é meu, por não ter podido aprofundar mais, em tão pouco tempo e espaço, o engenho e a arte que Do Princípio e do Fim bem merecia, e o Ângelo Rodrigues, seu autor, também. Na espiral contínua ascendente vinda de desde antes de nós, e das árvores, faremos o caminho que do mistério nos trouxe, e nos levará do humano ao divino, pela via poética da energia do amor, e do espírito de tudo.


Minha querida, fantástica e poderosa hormona do Amor.
Deusa do prazer supremo.
Alavanca de todas as osmoses.

10.

O que valerá mais será o esforço compensador do encontro de cada leitor com Do Princípio e do Fim, num diálogo directo, e a sós, com o afecto e com a inteligência que mutuamente se iluminam, e que será seguramente enriquecedor e garantidamente fascinante. Não poderá, porém, ser uma leitura apressada e superficial. É necessário o tal diálogo íntimo, inteligente, afectivo e a sós, para atingir o encanto da sua beleza profunda. Só assim a obra se nos dá, num deslumbramento continuado de olhar e ver, e de saltar de pele em pele, e de saia em saia. E, por cada saia, maior o esforço, e por cada pele. Mas maior também a compensação. Estamos sozinhos. Não há sabedoria sem solidão. Mas nada a temer. Só por nosso pé, e por nossas mãos, podemos entrar nas portas do templo do amor ao bem e ao belo, que a obra de arte nos proporciona e dá. Entre cada um, pois, na arte e no engenho de Do Princípio e do Fim, de Ângelo Rodrigues, e na sua ars poética facienda também. Ele te convida e te convoca: Vem comigo visitar o mítico lugar das almas puras. Ele nos convoca e nos convida:

Venham daí e sigam-me.

Vamos o mais para cima possível.

Em demanda até ao Fim

pois o Fim não existe.

O que há nunca nos basta

e o que parece não haver,

talvez seja o recheio

de outros Mundo(S)

por conquistar.

Venham daí e sigam-me.

Vamos o mais para cima possível.

Anda daí!

Vamos visitar as galáxias mais distantes.

António Mota
 Professor, Escritor, Poeta)
Portela das Cabras, Braga, 25 de Maio de 2022

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