CRÍTICA de CARLOS VICENTE - «DO PRINCÍPIO E DO FIM» de Ângelo Rodrigues 

11-08-2023

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Uma publicação das Edições Colibri - dezembro de 2022


1.

Acabei de reler o livro "DO PRINCÍPIO E DO FIM" do poeta e pensador Ângelo Rodrigues; e digo reler, porque cada estrofe e cada poema obrigam a uma pausa de reflexão crítica, antes de continuar e antes de ter a certeza de que se está a entrar numa outra dimensão, através de um Portal mediado por Janus, apontando para o título gravado no lintel com o fogo da poesia.

2.

É um livro poderoso que nada de essencial deixa para trás e que mexe com o Uni-Verso da poesia, da filosofia e da ciência, com o estatuto do Homem na Terra e no Uni-Verso, com a busca da solução para o dilema do Princípio e do Fim, se é que alguma vez houve Princípio! É, por isso, uma obra difícil de classificar.

3.

O próprio poeta hesita e apresenta-a como "talvez-poema" (p.45) e, mais à frente, "para-poema-talvez-místico" (p.57), considerando-se ele próprio "místico-aprendiz" (p.47) . Mas eu iria mais longe e diria um Manifesto Poético com uma mensagem holística e disruptiva que apela à inversão do statu quo, à revolta mental, à emancipação da e pela arte.

4.

Uma Metáfora que apela à inversão das mentes na procura do belo, do poético, da essência da filosofia, da procura do Princípio e do Fim, ou seja, a interrogação sobre a origem (arché), o sentido da vida e o destino do Homem e que está patente no verso "Simpatizo por quase todas as disrupções" (p.46). Sim, esta obra é disruptiva, porque penetra numa nova dimensão onde se confronta com uma profusão paradoxal de sentimentos e emoções como Alice no País das Maravilhas.

5.

E, se eu tivesse que optar por uma das personagens de Alice para caracterizar a obra "DO PRINCÍPIO E DO FIM", seria a do Coelho por, tal como o autor, correr atrás do conhecimento e da sabedoria. Realço o paralelismo de Alice com o verso "Descobri na "minha Fazenda" um Portal para outra dimensão", apesar de o autor afirmar ainda não ter entrado; esse Portal é, no fundo, a metáfora deste livro onde tudo acontece como no país de Alice e onde o autor se manifesta contra o monolitismo do pensamento no verso "Abaixo com o pensamento único" (p.45) que faz as delícias de um leitor crítico e que justifica a diversidade sobre a Terra e, quiçá, sobre o Uni-Verso.

6.

Se não tivesse tempo para ler a obra toda e apenas tivesse lido o poema OXITOCINA (TALVEZ-POEMA) (pp.39-47) diria que estaria na posse das ferramentas mentais e críticas essenciais nela exploradas. Com efeito, aqui o autor afirma com grande precisão: "... Creio estar preparado para todas as distopias. / Bem sei que a Arte é uma ponte. / Bem sei que a Poesia é um caminho... / mas sei agora que essa coisa / a que chamamos Morte não é o Fim" (p.46). Na sequência deste reiterado saber do poeta, uma terrível verdade surge no verso "estás cá, mas também já estás um pouco do Outro Lado" (p.54), contrariando, de certo modo, o cogito ergo sum, porque, afinal, e paradoxalmente, somos feitos da matéria DO PRINCÍPIO E DO FIM, isto é, poeira das estrelas e representantes finitos do Cosmos (Sagan).

7.

Mais adiante, o autor afirma "Morrer conscientemente é uma falha imperdoável do "criador" (p.55) e é talvez por isso que a frase de Shakespeare nos redime desse paradoxo ao afirmar que "Somos feitos da mesma matéria que os nossos sonhos" libertadores, tal como Camões já havia afirmado sobre "aqueles que por obras valerosas, /se vão da lei da morte libertando". Por isso, "Vem sem dogmas e sem certezas" (p.62), porque "Aceitar-se o inevitável destino da Morte / é, decerto, um grande passo para a Eternidade" (p.63).

8.

Queria acreditar com o autor de "DO PRINCÍPIO E DO FIM, que "A grande profecia é esta: / estamos condenados à Eternidade" (p.70). Mas do alto da minha insignificância existencial quero também acreditar que "A Poesia é o caminho" (p.46) e ela ajudar-me-á "a matar a Morte" (p.63) e, quem sabe, a "negligenciar tudo, menos o Outro Lado" (p.54).

9.

Estamos perante uma obra de profunda reflexão sobre os grandes enigmas da humanidade, eclética porque abre múltiplas portas e aborda os paradoxos que regem a vida do homem sobre a Terra. Um livro para ler e reflectir sobre esses paradoxos sem os limites dos dogmas instituídos.

10.

Aconselho vivamente a leitura de DO PRINCÍPIO E DO FIM, porque, além do mais, está escrita com humor e ironia, coisas que, raramente, juntas se encontram.

Lisboa, 19.03.2023

Carlos Vicente
Professor, Escritor, Artista-plástico e...